A Muanba

ou

A Vida

Por:  Carlos Santos e Pedro Branco                    


   Portimão, 1998. Esta cidade, como a maioria das cidades algarvias, vive essencialmente do turismo, vai daí a cidade ser constantemente invadida no verão, e não só, por turistas nacionais e estrangeiros. Mas a cidade não vive só do turismo. À custa do turismo, outros sectores se desenvolveram; os serviços e a construção civil são sectores que cresceram com o advento do turismo, especialmente o ultimo. Contudo, na construção civil só prospera quem for manhoso. Esta caracteristíca do ser humano é a que motiva a vinda para a cidade de vários trabalhadores vindos dos PALOP’s.

 

    Numa tasca, a tasca do Vaticano, situada numa zona compostas de perigos e drogas a cada esquina, estava uma rapariga angolana, dessas que veio com a familía à busca de melhores oportunidades na antiga metrópole, que sentada de maneira provocante, queria encontrar alguém para passar a noite. Eis que entra naquela tasca desarrumada, imprópria para aparecer nos cartões postais ou fazer concorrência aos bares da praia da Rocha, um "bimbo" que se dirige à rapariga africana:

BIMBO: Queres tomar um cimbalino comigo?

RAPARIGA: Não quero, obrigada. ( E vira-se, dando a entender não querer mais assunto, contudo ..)

BIMBO: Por fabor, peço-te, toma um cimbalino comigo!

RAPARIGA: Não pá, não quero tomar o raio do cimbalino. Desampara-me mas é a sanzala, ouviste ?!

(depois de proferidas estas duras e cruéis palavras ao "bimbo", vira-se de frente para uns "rapagões" de modo a expulsar psicológicamente o "bimbo")

BIMBO: Não me querem, não me querem, ...! Hás-de ouvir da minha parte, carago!

    Pouco tempo depois entra o Eliseu Ndaya, trabalhador da construção civil, com um cabedal que dava para fazer uns quantos blusões para motard . Este nosso amigo avista a rapariga e dirige-se a ela:

ELISEU: Eh rapariga! Quer vir comer muamba no meu barraco?

RAPARIGA: Esclaro que sim, pá. Vamo lá.

    E assim foi. O Eliseu levou a rapariga para a sua barraca a fim de comerem a muamba. Num Renault 5 construído no paleolítico chegaram a uns pré-fabricados junto a uns prédios em construção próximo à estrada do Vau. Chegados lá, o casal improvisado dirigiu-se para o barraco que pertencia ao Eliseu por inteiro, visto ter ajudado o patrão numas "horas extraordinárias" de trabalho para a não prevenção da toxicodependência (mais concretamente o não consumir de 25 Kilos de Haxixe). Chegados lá, a rapariga vê que o Eliseu é um gajo que já se safa no meio da construção. Uma mesinha arranjada, com um prato de muamba pronto a comer, armários repletos de boiões de muamba( uma invenção angolana) e um retrato de Jonas Savimbi ao lado de um retrato de um prato de muamba na parede. Este quadro pareceu algo bizarro para a rapariga, que no entanto continuou a agir segundo as regras.

ELISEU: Come a muamba.

Assim fez a rapariga. Mas quando ela acaba o seu prato, que foi acompanhado com um copo de jurupiga, ela profere a frase fatal:

RAPARIGA: Muamba estar muito boa

ELISEU: Cóme mais muamba!

RAPARIGA: Mas eu não apetecer mais muamba!

ELISEU: Come mais muamba, cabra duma puta (esta expressão é a prova de que os angolanos não foram colonizados como devia ser)!

    Depois desta afirmação, o Eliseu pega na colher com que ela estava a comer a muamba e começa a enfiar-lhe a muamba pela boca a dentro. A rapariga oferece resistência, mas cada vez que ela fizesse um acto que demonstrasse mostras de tal era varrida por uma valente saraivada de socos e pontapés dados pelo "enfezado" do Eliseu.

    Contudo, eis que de repente surge algo que vai acabar com a alimentação de muamba e porradaria...

BIMBO: Bimbo na salvação!!

    Sim, adivinharam, aquele que foi preterido pela rapariga a favor do "dócil" Eliseu, estava de volta. O Bimbo, que fora ferido no seu mastodôntico orgulho, voltara para reclamar vingança, naquela que foi a maior ofensa à sua alma de "macho bimbatino".

BIMBO (agora autodenominado de SuperBimbo): Ides agora enfardar o milho!!!

    E nisto joga-se ao Eliseu, com a maior das fúrias. Contudo, o Eliseu tinha o dobro do volume do nosso herói, logo esmagou-o (no bom sentido do mau sentido), deixando-o prostrado no chão que agora ficara todo manchado pela gordura do óleo de bebé que o nosso favorito espalhou pelo corpo de modo a realçar a pseudo-imponência dos seus bíceps, tríceps e outros músculos (pénis não incluindo). Aquele quadro atingiu o duro coração do Eliseu com uns remorsos tais, que o nosso herói foi reanimado com respiração muamba à boca . Eis que o Super Bimbo acorda daquela inesperada letargia, perguntando:

SUPER BIMBO: Que bom!!! O que é isto, carago?!

ELISEU: Ser muamba, come muamba, que faz bom a branco estúpido (ainda dizer que preto é que ser estúpido...).

    O Eliseu agora parecia uma Madalena arrependida, chorando de contentamento e de medo pelo facto de o nosso herói não ter ido desta para melhor. Falando nessa personagem prosaica, eis que este começa-se a apoderar e devorar os boiões de muamba do Eliseu. Perplexo, o Eliseu diz-lhe desesperado:

ELISEU: É pá!!! Não precisar de comér mais muamba!! Branco estúpido estar récuperado!!

SUPER BIMBO: Não, carago! Isto bom como ò carago, carago!

    Depois de proferir estas palavras, o nosso herói continua a destruição do stock de muamba do Eliseu, estando este indignado perante tal sinopse, mas não ripostando, com medo de lhe dar um enxerto de porrada com um efeito pior em relação ao de à bocado. O nosso herói acaba o seu trabalho de devassidão e atinge o seu auge físico e moral. Eis que finalmente esta história toma um ritmo diferente:

SUPER BIMBO: Sim carago!! Agora com toda esta muámba toda, sou mesmo o Super Bimbo (há bocado o nosso herói julgava ser o que é agora ...) carago.

    Nisto chega-se junto ao Eliseu que continuava perplexo e sem palavras e dá-lhe um arraigamento de porrada pior do que ele próprio sofreu há bocado.

SUPER BIMBO: Ides agora pagá-las todas, cabrãoue dum carago!!!

ELISEU: Para pá!! Te imploro pá!! Eu ter família nos Angola!! Nããããããoooooo..........

    Estas foram as últimas palavras do Eliseu.

    Entretanto, o nosso sanguinário, perdão, o nosso herói avistou a um dos cantos da ensanguentada casa, aquela que o preteriu e que por medo, não se atreveu a sair. O nosso mercenário, mil desculpas outra vez, o nosso herói vira-se para ela e pergunta-lhe algo que ela já tinha ouvido:

SUPER BIMBO: Queres vir tomar um cimbalino comigo no meu aparthotel?

    Aliviada e tocada (no bom sentido) pelo que aquele homem fez por ela, ela respondeu-lhe(evidentemente):

RAPARIGA: Esclaro que cima. Adorava tomar uns cimbalino contigo.

    Chegados ao aparthotel, o SuperBimbo ordena à rapariga que se sente enquanto ele prepara o cimbalino. Durante o tempo que o nosso herói levou a preparar o cimbalino, a rapariga constatou que a casa do SuperBimbo era de certa forma igual à do Eliseu só que agora era o café o tema dominante. Uma prateleira com uma colecção de chávenas e pires, uma colecção de moínhos de café, quadros a representar a apanha do café no Brasil, embalagens das mais variadas marcas e para finalizar um retrato de Pinto da Costa junto a um retrato de um chávena de café a fumegar. Um estranho e familiar receio corre pela consciência da rapariga, quando chega o nosso herói com o cimbalino.

SUPER BIMBO: Num trouxe biscuoitos, pois eles estragam a essência do cimbalino, carago.

RAPARIGA: Não faz mal, eu também não querer doce para não engordar.

SUPER BIMBO: Então bebede o cimbalino e não vos preocupais, de onde beio esse há mais ...

    A rapariga bebeu o cimbalino, e ao ver o SuperBimbo observá-la atenciosamente enquanto engolia aquele líquido negro e fogoso, pensa que ele vai avançar com uma proposta de cariz sexual. No entanto, vê a vida a andar para trás, quando o cada vez menos nosso herói diz:

SUPERBIMBO: Bebede outro.

RAPARIGA: Não esquerer mais, obrigada.

SUPERBIMBO: Ai num que num queres, carago. Ides beber, sim!! Eu disse que me bingava, carago! Ides agora beber cimbálinos para tuoda a bida, carago! Ahahahahahahaha!!!!!!!!!

RAPARIGA: Nããããããããããããoooooooooo..................

    Estas foram as últimas palavras compreensíveis da rapariga angolana que procurava simplesmente uma noite preenchida com uma boa foda e logo a seguir um bom cigarro. Mas ao invés de uma noite de sexo breve e efémero, ela conseguiu uma vida inteira de café a escaldar a escorrer pela garganta abaixo e os seus olhos nunca mais se cerraram nem mesmo depois de morta, facto que aconteceu 50 anos depois do agora nosso vilão ter morrido (sim, o café até conserva as pessoas). Pobre rapariga que deixou a sua sensual tonalidade castanho-escura para ganar um tom amarelado igual àquele que os bigodes e os dentes ganham com uma grande exposição ao tabaco e ao café. Assim foi a sua morna (para não dizer fado) para o rsto da vida.

    O SuperBimbo, por seu lado, voltou para o norte no fim das férias levando clandestinamente a rapariga na mala do seu FIAT Cinquecento onde foi agrupada junto com duas malas de viagem. Chegado ao norte fez as pazes com a sua ex. e aproveitando os seu poderes ultra-humanos proporcionados pela muamba, fez um golpe de estado e derrubou Pinto da Costa na presidência do Futebol Clube do Porto, para em seguida organizar em conjunto com Pinto da Costa, Fernando Gomes, Belmiro de Azevedo e outros "huomens do nuorte, carago" um golpe militar que veio criar a República Bimbista do Norte, com o SuperBimbo, de seu verdadeiro nome Vladimiro Botelho, a assumir a presidência deste novo país que iria se logo juntar à associação mundial de ditaduras, presidida pela Indonésia e a sua líder Megawatti Sukarno, que apesar de ter sido eleita democraticamente, não se conseguiu lembrar do dia das eleições.

    Para finalizar, não podíamos de referir o Eliseu. O Eliseu, que apesar da aparência era no fundo (mas só no fundo) uma criatura sensível, acabou da pior forma. É certo que não acabou os seus dias a beber bicas (estou farto de dizer cimbalino), mas acabou de uma forma demasiado abjecta. Para alguém que deixa os sabores e os cheiros da sua terra natal (que na realidade estavam, e estão, contaminados com os mais variados tipos de doença), deixa de comer algum do arroz que vem de Portugal e que resta das mesas dos governantes angolanos, deixa de ter relações sexuais de risco, mesmo com a donzela mais asseada de Angola (brancas não incluídas),deixa de ter a possibilidade de acabar estropiado enquanto luta pelo seu governo na sua mata natal acabando por vezes por matar familiares que estejam no lado contrário da luta, de deixar de pensar que se não vai morrer de doença ou na guerra fraticida, vai ser torturado até ao fim pela fome. Mas isto não inibia o Eliseu de tentar a sua sorte noutro país que não fosse o seu. Escolhera Portugal, o país que há 500 anos atrás começou a delapidação da cultura angolana, dando o mote a outros países para fazerem o mesmo no agora martirizado continente de Àfrica. O Eliseu sabia que tinha emprego mais que garantido na antiga metrópole, sabia que a antiga metrópole, ao contrário da sua terra natal, desenvolvia-se e para esse desenvolvimento precisava de mão-de-obra barata para os trabalhos que muito ingenuamente os naturais não se achavam dignos de realizar. Um salário que era uma miséria para nós portugueses, era uma grande fortuna para o Eliseu e todos os seus colegas que sonhavam voltar para as suas terras mais ricos do que quando voltaram (os angolanos e os guineenses demorariam mais um bocadinho devido à guerra que grassava nas suas terras).

    Tudo isto é muito bonito; o Eliseu fazia parte de toda esta beleza utópica que ofusca os olhos dos emigrantes vindos dos PALOP’s, acreditava não no sonho americano, mas sim no somho português, acreditava na possibilidade de um dia voltar para a sua terra e contribuir um pouco para a melhoria do país. Quis o seu destino que ele encontrasse uma conterrânea sua estando ambos à procura da felicidade fátua e passageira numa noite temperada portuguesa que nada tinha a ver com as noites tropicais angolanas, quis o seu destino que a sua mente se desatinou e provocou a sua desgraça final. O cadáver do Eliseu ficou repousando na sua barraca, banhado numa poça de sangue até à manhã do dia seguinte quando dois colegas, achando estranha a sua demora, foram até a sua casa e depararam com o triste quadro. Para não arranjarem problemas, visto estarem numa situação ilegal, estes dois colegas, resolveram enterrar num baldio próximo e começaram a dividir a herança que não constava no testamento que não existia, a começar pelo Renault 5.

    Um dos objectivos do Eliseu para quando voltasse para Angola era o de erradicar a fome na medida do possível. Esse seu objectivo foi em parte conseguido em Portugal, pois dois cães desenterraram o seu cadáver e tiveram refeição assegurada durante dois dias.

FIM


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